Os Ovos Misteriosos 

Luísa Ducla Soares | Manuela Bacelar


Era uma vez uma galinha que todos os dias punha um ovo. E todos os dias vinha a dona, com uma cestinha tirar-lho.
- Já pus 1000 ovos. Podia ser mãe de mil filhos. Mas não tenho nenhum por causa da gente gulosa - cacarejou certa manhã a galinha. - Vou fugir.
Se bem o pensou, melhor o fez. Quando a dona entrou na capoeira, como de costume, esgueirou-se pela porta aberta. Só parou na mata.
Logo aí tratou de fazer o seu ninho com folhas secas, palhas, penugem, farrapos de lã. Nunca se vira ninho mais lindo, redondo, confortável. Sentou-se nele e pôs um ovo muito branquinho.
- Vou encher a barriga antes de começar a chocar, que aqui ninguém me traz de comer - resolveu a galinha, afastando-se em busca do almoço.
- Demorou-se, porque ali tudo lhe era estranho.
Quando voltou, qual não foi o seu espanto ao ver o ninho cheio de ovos de todos os tamanhos e feitios.
- Cocorocó... Que vem a ser isto? - disse ela. - Na minha capoeira tiravam-me os ovos, aqui oferecem-mos. Mas que sorte. 
E logo se aninhou.
Daí por diante, a galinha mal saía do choco.
Estava preguiçosa, sentia o corpo quente, quente como uma botija.
O tempo foi passando. Quando, não sabia, porque não aprendera a contar nem se guiava pelo calendário.
Até que... crac! O primeiro ovo estalou e de lá saiu um bicharoco de bico retorcido.
Ai, mas que filho, eu até desmaio! Em vez de ser pinto é um papagaio. - exclamou a galinha.
No dia seguinte, outro ovo se abriu e de lá saiu, rastejando, uma criatura comprida e sarapintada.
Ai, mas que filho, como ele é diferente! Em vez de ser pinto é uma serpente. - exclamou a galinha.
Nessa mesma tarde, o maior de todos os ovos partiu-se ao meio. A galinha espreitou, desconfiada. Ao ver o que tinha à sua frente, pôs-se a cacarejar:
Ai, mas que filho, este é de truz! Em vez de ser pinto é uma avestruz.
Faltavam ainda dois ovos. Que esconderiam lá dentro? A galinha, curiosa, picou um deles. Mas ia caindo para o lado. 
Ai, mas que filho! Deve vir do Nilo. Em vez de ser pinto é um crocodilo.
Ainda se não tinha calado quando sentiu um reboliço no último.
Ao ver uma penugem amarela, bateu as asas de contentamento e escancarou o bico:
Ai, mas que filho! Diz o meu instinto que este finalmente é mesmo um pinto.
- Olhem a minha ninhada! - mostrava ela às galinhas do mato. - É tão variada, é tão engraçada.
- Trata só do teu pinto. Não ligues aos outros bichos - aconselhava a perdiz.
Mas como podia ela abandoná-los depois de ter chocado com tanto amor? Que outra mãe havia de tratar deles? 
Era feliz, mas vivia num desassossego.
O papagaio voava para as árvores e ela não sabia voar.
O crocodilo só estava bem dentro de água e ela não sabia nadar.
A serpente metia-se por todos os buracos e ela era gorda demais para a poder ir buscar
A avestruz, essa, devorava tudo, não havia comida que lhe chegasse.
Só o pinto, naturalmente, se portava como um pinto.
Mas ela de todos gostava. De todos cuidava.
Coçava a serpente quando ela tinha cócegas, porque à pobrezinha faltavam as patas.
Enrouquecia de tanto tagarelar com o papagaio, que queria sempre conversar.
Cansava-se a carregar petiscos para a comilona da avestruz.
Esgravatava o chão em busca de sementes para o pinto.
E nos intervalos lavava as dentuças ao crocodilo.
Tudo parecia correr bem até que apareceu no bosque um rapaz.
- Ah, que belo frango! - disse ele ao ver o filho verdadeiro da galinha. - Vou assá-lo para o jantar.
- Cocorococó - refilou a galinha, o que quer dizer na sua língua «Não lhe toques, senão pico-te».
O rapaz riu. Pois, quem tem medo de uma galinha? E apanhou o frango.
Foi então que a serpente, ao ver o que se passava, se pôs a assobiar à sua frente, mostrando os dentes de veneno.
- Ai, uma serpente! - gritou ele e atirou-se ao lago para lhe escapar.
Foi a vez de o crocodilo avançar de boca aberta.
- Ai, que este me come! - gritou novamente o rapaz, subindo para a outra margem, sempre com o frango debaixo do braço.
Às costas da irmã avestruz, o frango voltou para casa.
Para festejar, a galinha juntou todos os filhos e fez-lhe um bolo com vários andares.
Um tinha milho para o frango.
Outro, peixe para o crocodilo.
Outro, fruta para o papagaio.
Outros, ratos para a serpente.
E por cima, a enfeitar, sete berlindes, um martelo e vinte pregos, porque a avestruz só gostava de pitéus extravagantes.
Depois de jantar, os filhos fizeram uma roda à volta da galinha e puseram-se a cantar:
Somos todos irmãos,
somos todos diferentes:
há uns que têm bico,
ouros que têm dentes,
há uns que têm escamas,
outros que têm asas,
na terra e na água
fazemos nossos casas.
Eu só tenho pescoço.
Eu vôo pelo ar.
Eu nado a quatro patas.
Eu cá gosto de andar.
Somos todos diferentes,
mas todos queremos bem
à boa da galinha
que é a nossa mãe.