O dia que me tornei pássaro – Ingrid Chabbert

Este é um projeto criado com o apoio do PNL 2027. Através do canal de youtube disponibilizado é possível aceder, gratuitamente, a várias histórias. 





No dia em que começou a escola, apaixonei-me. Era a primeira vez.
À tarde, em minha casa, fiz um desenho dela. E depois outro. E mais outro. E outro com corações e com um sol sorridente.
Candela e eu estamos na mesma turma. Está sentada mesmo à minha frente.
Ela é tudo o que eu vejo. Ela não me vê.
Candela é apaixonada por pássaros, mas recusa-se a vê-los em gaiolas. Observa-os na natureza e cuida deles quando estão feridos.
Há pássaros nas calças dela e nos seus vestidos. Há pássaros nos cabelos dela. Há pássaros desenhados nos seus cadernos e nas suas pastas. E quando fala, parece um pássaro que canta muito devagar. Candela só tem olhos para os pássaros.
 Quando olho para ela, esqueço tudo o resto. Já não quero saber dos meus carrinhos, da minha bola de futebol nem de coisa nenhuma. E também já não olho para os pássaros como antes.
Então, uma manhã, decido disfarçar-me de pássaro. Um dos grandes, com uma bela plumagem. Um daqueles que vemos nos bosques durante o verão. Sinto-me belo com o meu traje. E tenho calor.
Sonho que um dia irei aterrar algures no topo das Montanhas Rochosas ou em cima de uma pirâmide. Com Candela, talvez…
Na escola, todos olham para mim. Alguns sorriem, mas eu não quero saber. Não quero despir o fato. Sou um pássaro. Que difícil é caminha com isto às costas. Quando tenho vontade de fazer xixi é complicado. E quando quero jogar à bola, perco o equilíbrio. Subir às árvores também é mais difícil do que antes. O pior é quando chove, cheiro a cão molhado!
 Até que uma tarde, encontro-me com ela. Os nossos olhares cruzam-se, por fim. Sem dizer nada, aproxima-se e tira-me o fato. Eu não sei o que fazer. O meu coração bate a cem à hora. E no céu um bando de pássaros descola. Candela põe os braços à minha volta. Não me atrevo a mexer, não consigo pensar. Já não sou um pássaro, mas agora consigo voar.